Alunos da Escola João Borges criam gás de cozinha a partir de restos de comida.
- Kaya B
- 28 de set.
- 3 min de leitura

O Complexo da Maré é o maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro e o 9º bairro mais populoso da cidade. Segundo o Censo Populacional da Maré de 2022, realizado pela Redes da Maré, vivem no território cerca de 149.073 pessoas distribuídas em 38.273 domicílios, número superior ao de 96% dos municípios brasileiros.
Entre os inúmeros desafios enfrentados pela população, a produção acelerada de lixo é um dos mais urgentes. Apesar da Comlurb disponibilizar áreas para o descarte de resíduos, a falta de conscientização e de educação ambiental mantém crítica a gestão do lixo, tanto orgânico quanto reciclável.
Um exemplo marcante de transformação está no Colégio Estadual João Borges. Hoje referência em sustentabilidade e ensino, a escola já foi símbolo do abandono do poder público. O espaço que abriga a unidade era um terreno tomado pelo acúmulo de lixo e servia como criadouro de porcos, cenário que favorecia pragas e endemias. A virada aconteceu a partir da mobilização comunitária, em diálogo com associações e instituições privadas, que reivindicaram o uso funcional da área. Atualmente, o colégio atende mais de mil alunos, em dois turnos, com aulas de empreendedorismo e projetos socioambientais. Em parceria com o Projeto LUTES Favelas e a UFRJ, a escola implantou um biodigestor.
O equipamento funciona a partir da decomposição do lixo orgânico, como restos de comida e esterco animal. Nesse processo, micro-organismos atuam em ambiente fechado e sem oxigênio, condição chamada respiração anaeróbica. Ao consumirem a matéria orgânica, essas bactérias produzem gás metano, que é canalizado e utilizado como gás de cozinha no refeitório da escola.
Além da produção de energia, o biodigestor gera um líquido rico em nutrientes, conhecido como biofertilizante, que pode ser utilizado na recomposição do solo e em hortas comunitárias. O que antes era resíduo e poluição se transforma em fonte de energia e alimento, criando um ciclo sustentável.
Na prática, a tecnologia reduz o descarte incorreto de resíduos, evita que o metano seja liberado diretamente na atmosfera e devolve benefícios concretos à comunidade escolar. Ao mesmo tempo em que ajuda a diminuir a poluição, promove o uso de energia limpa e acessível.
Essa experiência também se conecta a conceitos mais amplos, como o racismo ambiental, que evidencia como populações negras e periféricas são as mais afetadas pela degradação ambiental, pelo acesso desigual a recursos e pela ausência de representação em decisões políticas. Na Maré, essas desigualdades se somam à luta por justiça climática, que defende soluções equitativas para enfrentar os impactos da crise climática, levando em conta vulnerabilidades de raça, gênero, renda e território.
O Projeto LUTES Favelas mostra como a favela pode ser protagonista em inovação socioambiental. Ao transformar lixo em energia e fertilidade para o solo, o biodigestor instalado no Colégio João Borges vai além da tecnologia: simboliza a capacidade da comunidade de ressignificar territórios historicamente marcados pelo abandono.
Mais do que enfrentar o problema imediato do lixo, iniciativas como essa apontam para um futuro em que a Maré deixa de ser vista apenas pelo estigma da vulnerabilidade e passa a ser reconhecida como espaço de criação, resistência e liderança ambiental. Em tempos de crise climática global, a favela mostra que tem muito a ensinar sobre justiça ambiental e climática. A transformação começa de baixo para cima, com o protagonismo de quem vive e reinventa todos os dias o próprio território.
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