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Desordem e Desprogresso : Demolições na Maré expõem violência policial, racismo ambiental e ausência de políticas de habitação.

  • Foto do escritor: Kaya B
    Kaya B
  • 28 de set
  • 4 min de leitura
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A favela do Parque União, zona norte da cidade do Rio de Janeiro, foi palco de demolições conduzidas pela Prefeitura com apoio da Polícia Militar. A ação, marcada pela ausência de planejamento e suporte, deixou para trás um território em crise, enfrentando impactos ambientais, sociais e de saúde pública. Mais do que uma operação policial, estes acontecmentos revelam as desigualdades estruturais que atravessam a cidade: enquanto alguns bairros recebem diálogo e indenização, na favela restam demolições, desapropriações, repressão, precariedade e racismo ambiental.


Em 2024, o Parque União, no Complexo de Favelas da Maré, foi cenário de operações de demolição conduzidas pela Prefeitura do Rio de Janeiro com apoio das polícias Militar e Civil. A justificativa oficial era combater construções irregulares ligadas a um esquema de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas, como o condomínio Novo Horizonte, que ostentava imóveis com piscinas e áreas gourmet. No entanto, o processo escancarou contradições: a área pertence à União, a ação foi feita sem consulta prévia ao governo federal e os impactos recaíram principalmente sobre os moradores comuns, que nada tinham haver com o esquema investigado.


Segundo a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), o terreno demolido é classificado como terreno de Marinha, de titularidade da União. O Ministério Público Federal (MPF), em resposta a denúncias da comunidade, questionou a legalidade da operação e apontou que o município atuou sem autorização federal e sem cumprir o acordo firmado em 2022 para promover regularização fundiária na região. Esse acordo, que poderia ter garantido moradia digna, venceu em abril de 2024 sem sair do papel.


Polícia para reprimir, não para proteger

Na prática, a Polícia Militar atuou como braço armado para assegurar a continuidade das demolições. Relatos de moradores denunciam a chegada de caveirões antes do amanhecer, invasões de casas e comércios sem mandado judicial e intimidação constante.


“ Nesses seis dias de operação acordamos entre 4h40 e 5h com caveirão entrando. Muitos policiais fortemente armados invadem casas e comércios. Isso destrói por dentro”, relatou o morador Romoaldo Silveira - Aposentado de 76 anos.


O discurso oficial fala em preservar a integridade dos agentes e “garantir a ordem pública”. Mas, para quem vive a realidade, o saldo foi medo, violações de direitos e a destruição de lares. A polícia não protegeu famílias inocentes, mas garantiu que máquinas derrubassem prédios sem diálogo, indenização ou apoio social.


Educação interrompida, saúde em risco

As operações também paralisaram a vida cotidiana. Das 46 escolas municipais da Maré, 24 fecharam suas portas durante os dias de incursão, segundo a Secretaria de Educação. Na rede estadual, o Ciep 326 César Pernetta e o Colégio Estadual Professor João Borges, que juntos atendem mais de 1.400 alunos, suspenderam aulas por falta de segurança. Professores relataram dificuldades para manter atividades pedagógicas diante da poeira, do barulho e das incursões policiais.

Além disso, os escombros abandonados em ruas como a Ary Leão se tornaram criadouros de ratos e mosquitos. Moradores já registram casos de doenças respiratórias em crianças e idosos, e o risco de surtos de dengue é uma ameaça concreta, agravada pela chegada do verão e pelas chuvas que aumentam a vulnerabilidade de uma área construída sobre manguezais aterrados.


As demolições no Parque União não podem ser vistas apenas como uma questão de irregularidade urbana, mas como um exemplo claro de racismo ambiental. Historicamente, a Maré foi construída sobre áreas alagadiças e manguezais aterrados, sem planejamento ou infraestrutura adequada, uma escolha política que destinou famílias pobres e negras a viver em territórios de risco.

Hoje, o padrão se repete, enquanto na zona sul proprietários de imóveis irregulares recebem prazos para regularização, compensações financeiras e apoio jurídico, na Maré moradores são surpreendidos por caveirões, demolições abruptas e ausência de alternativas habitacionais.

Os efeitos ambientais e sociais dessas ações recaem sempre sobre os mesmos corpos pretos e margnalizados, a poeira das demolições provoca doenças respiratórias em crianças e idosos, o entulho abandonado nas ruas cria focos de dengue e aumenta o risco de enchentes.

A ativista climática e cofundadora do Centro Brasileiro de Justiça Climática Andréia Coutinho Louback, , em seu livro “Quem Merece Justiça Climática no Brasil”, aborda as desigualdades sociais que emergem da crise climática.

“Os impactos da crise do clima, ou seja, das mudanças Climáticas, que vivemos, não são democráticas, não são proporcionais. Existe um desbalanço muito forte entre quem emite e quem sofre, essas pessoas têm nomes: pessoas negras, faveladas e pobres."

Ano eleitoral e escolhas políticas

Tudo isso ocorre em ano de eleições municipais. As demolições revelam não apenas a violência da política de segurança, mas também a ausência de uma política séria de habitação. Prefeito e vereadores têm responsabilidade direta sobre o destino da cidade, mas, em vez de investir em regularização fundiária, saneamento e infraestrutura, escolheram medidas drásticas que atingem os mais vulneráveis.

Conclusão

As demolições no Parque União mostram que a polícia não trabalha pela favela: dá trabalho, destrói rotinas e vidas, e intensifica desigualdades. A Prefeitura, por sua vez, age sem planejamento, sem diálogo e sem compromisso com a dignidade da população. O que está em jogo não é apenas a derrubada de prédios, mas a violação sistemática do direito à moradia e à cidadania de mais de 100 mil moradores da Maré.

Enquanto a cidade trata a favela como problema a ser eliminado, a comunidade insiste em resistir e mostrar que é parte da solução. O que falta não é força policial, mas políticas públicas de habitação, justiça climática e respeito.

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